A história do caça-palavras e a ansiedade

Fazia algum tempo que eu vinha percebendo que minha rotina estava cada vez mais restrita ao mundo virtual. Resolver problemas, trabalhar e até o lazer estavam se tornando coisas da palma da minha mão ou se resumindo a ficar de frente para uma tela o dia todo. Com o tempo, também comecei a notar que minha memória estava falhando com mais frequência, me deixando na mão em momentos importantes. Eu não conseguia elaborar tantas informações para construir um pensamento decente, seja para trabalhar ou estudar.

Isso começou a me causar um incômodo ainda maior quando as tarefas foram se acumulando e eu já não dava conta de processar tudo. A ansiedade passou a tomar conta de áreas da minha vida que não deveria.

Nas redes sociais, seja no uso pessoal ou profissional, a cada arrastada para baixo surgia uma propaganda ou informação diferente que eu considerava importante — algo para guardar ou consumir. Até que, dez minutos depois, eu já não lembrava mais do que tinha visto.

Esses “dez minutos” se repetiam várias vezes, e, quando eu percebia, já estava além da hora de descansar — mesmo sabendo que no dia seguinte precisaria acordar cedo. Mas será que cabiam mais dez minutos?

Chegou um momento em que tudo isso começou a me chamar a atenção para o quanto eu estava sendo estimulada virtualmente de forma desenfreada e sem limites. Isso consumia a energia que eu precisaria para trabalhar e aplicar em momentos mais oportunos. No fundo, percebi que muito do que eu via não precisava ser consumido – não era necessário me expor tanto.

Curiosamente, em uma dessas milhões de propagandas, uma em específico trouxe à memória um hábito muito divertido do meu passado: o caça-palavras. Lembro que, quando era mais nova, via os mais velhos buscando as palavras ou tentando decifrar o enigma das frases por horas. Quando liam em voz alta, eu ficava confusa por não entender as dicas que davam – afinal, tinha pouco repertório na época. Resolvi então me aventurar a resolver algumas charadas, o que resultou na minha frustração por não conseguir fazer quase nada sem colar das respostas no final da revista ou pedir ajuda. Acho que essa lembrança está guardada naquela caixinha de memórias da infância, daquelas que rendem boas risadas quando compartilhadas no grupo de conversas.

Agora, mais velha e com essa memória fresca na mente, tive um estalo: decidi comprar uma revista dessas, arriscando todos os níveis – fácil, médio e difícil – para testar minhas habilidades atuais. Queria exercitar meu campo visual, voltar a usar caneta e papel, e fazer algo manual. Eis o resultado: o fácil estava realmente fácil, o médio foi tranquilo e o difícil… divertido! Constatei que meu repertório de conhecimento aumentou, mas isso não eliminou os momentos em que precisei espiar as respostas no final para entender as dicas – e isso mexeu com meu orgulho. Então, pensei: “Vou marcar o que consegui resolver e deixar em branco o que não soube”. E assim fiz. Foi minha maneira de ser honesta comigo mesma, aceitando que não fui tão capaz naquela época. Eis a primeira reflexão.

Não precisamos ser suficientes e capazes o tempo todo – afinal, ninguém sabe tudo. Mas essa limitação não diminui a grandiosidade de tudo que já conquistei até aqui.

Continuei reservando espaço para esses momentos totalmente desconectados da internet, dedicando atenção a mim mesma e criando uma atmosfera de entretenimento e aprendizado solitário. Enquanto me divertia com passatempos, descobria novas perspectivas sobre diversos assuntos. Caça-palavras e criptogramas têm mesmo muito a oferecer.

De volta ao mundo digital, deparei-me acidentalmente com um vídeo do Dr. Drauzio Varella sobre a importância de ter hobbies e atividades manuais. Recomendo muito assistir!

Duração de 2min22s

Diante desse cenário e após assistir ao vídeo, reforço uma ideia que merece ser repetida: precisamos cultivar atividades além do consumo virtual. A facilidade de obter respostas prontas nos afastou do processo genuíno de construção do conhecimento e do desenvolvimento pessoal. Atividades manuais no cotidiano – como forma de descontração – são antídotos poderosos contra a ansiedade, esse mal tão prevalente em nossa sociedade. O tempo ocioso ganha novo significado quando preenchido com a criação despretensiosa, livre de obrigações ou metas, onde só importa o prazer de tentar e realizar.

Para fechar essa reflexão, volto às memórias do caça-palavras na infância. Era um hábito da vovó, que sempre assinava cada página da revista ao completar as atividades. Na época, não entendia o motivo, mas adotei esse ritual para mim. Hoje, ele ganhou um significado especial: minha assinatura não marca a perfeição, mas sim a persistência. É meu modo de dizer “Fui eu que fiz, do meu jeito, seguindo minhas próprias regras inventadas, dentro do que considero divertido – e isso basta”.

E assim, o turbilhão digital perdeu seu domínio. Descobri a serenidade de não saber tudo e, nesse espaço entre um conteúdo e outro, minha ansiedade encontrou seu repouso.